A
Biblioteca Municipal de Reguengos de Monsaraz foi inaugurada ontem, dia
1 de setembro, após as obras de adaptação e beneficiação do Palácio
Rojão. Na cerimónia esteve presente José Manuel Cortês, Diretor-geral do
Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas.
O
programa de abertura da biblioteca integrou atuações de artistas de
Reguengos de Monsaraz, nomeadamente de Mário Moita, Ricardo Mendes,
Maria Cristina Coelho, o quarteto de cordas Baccus e o grupo Fun4Farra,
mas também teatro de marionetas com a peça “História da Carochinha”,
pela companhia Era Uma Vez, e o lançamento do livro “No ensaio dos
sentimentos”, do poeta Gabriel Raminhos.
Na inauguração da
biblioteca foi apresentada a exposição de pintura “Livros, Autores,
Personagens”, de Maria Varela, que vai estar patente durante este mês.
Nesta mostra pode-se encontrar o livro em várias dimensões: o objeto
físico, o conteúdo da obra, extratos ou passagens da obra, os
personagens, os autores que encarnam os seus próprios personagens,
imagens ou sensações que marcam, entre outras.
A exposição de
Artes e Ofícios Tradicionais de Reguengos de Monsaraz tem agora um
espaço na biblioteca municipal para que possa ser permanentemente
apreciada pelo público. Atualmente está patente, entre outras peças, uma
antiga tasca com pipas, potes e alfaias. A autarquia tem mais de meio
milhar de peças cedidas por artesãos e colecionadores do concelho
relacionadas com o vinho, a agricultura, os lanifícios, os lacticínios, o
barro e os cobres, das quais se destacam talhas, charruas, arados de
pau, potes e tarefas do século XIX, bombas manuais de trasfega de vinho,
trilhos e um churrião do início do século XX.
A Biblioteca
Municipal de Reguengos de Monsaraz tem mais de 30 mil livros. Todo o
espaço exterior é dedicado à palavra, à leitura, ao silêncio e à fruição
do envolvente edificado. Em termos de conceito, o fio condutor é um
alfabeto que traduz letra a letra elementos que integram o concelho,
conduzindo o visitante numa viagem cultural. Este alfabeto concretiza-se
através da pintura nas fachadas do binómio letra/palavra, sendo que as
23 letras do alfabeto latino original foram a votos em discussão pública
para que tivessem sido nomeadas todas as palavras que melhor
representam a identidade do território.
Na biblioteca há alusões a
todos os países de língua oficial portuguesa através de poemas e de
vegetação oriunda desses países, mas também de referências materiais
numa exaltação à língua portuguesa. A vegetação celebra ainda momentos
importantes na história do livro, elevando os materiais que nos
primórdios da civilização foram utilizados como matéria-prima para
escrever, representando-se esta realidade com algumas plantas da China,
Japão e India.
Em termos topográficos, o espaço exterior
caracteriza-se por uma sucessão de pátios assumidos em diferentes cotas e
comunicados através de rampas que garantem o livre acesso em todo o
espaço. O Jardim da Metáfora é uma exaltação ao sonho para onde os
livros e as estórias transportam os leitores, primando pela vegetação
exuberante e apelativa, quer em termos de cor, quer em termos de odor.
Neste espaço, os amores-perfeitos lembram o livro “Sonho de Uma Noite de
Verão”, de William Shakespeare, e o mais emblemático escritor
português, Camões, numa ode ao elemento água.
O Jardim da Palavra
é um local para recitais, teatro, cinema, música, entre outras artes.
Neste espaço a palavra é o mote e dois palcos permitem a realização de
diversos eventos. O Jardim do Silêncio é um auditório que pretende ser o
espaço por excelência de leitura, mas também a plateia de todos os
eventos artísticos e o espaço principal de contemplação do edifício e da
cidade que espreita por rasgos circulares do muro que separa os
visitantes dos outros pátios e lhes dá privacidade e silêncio.
O
Palácio Rojão foi construído na primeira metade do século XIX para
residência urbana da família Papança, que habitava no Monte das
Vidigueiras. O palácio foi considerado uma construção arrojada para a
época, pois, para além da inspiração que foi buscar ao estilo romântico,
que na altura ditava a linha de construção dos grandes edifícios,
denota também, ao nível da fachada, elementos de conceção mourisca.
O
rés-do-chão é composto por 16 divisórias, onde sobressaem a elegante
escadaria e a ornamentação das paredes do hall de entrada. O primeiro
andar, a área nobre do edifício, dividia-o em 22 dependências. Dos 16
quartos originais pouco resta do período em que ali residiu a família
Papança. A originalidade apenas perdura no magnífico salão nobre de
colunatas, na sala dos frescos e na sala azul.
António Macedo de
Papança nasceu a 18 de julho de 1852 no Palácio Rojão, pouco tempo
depois da família Papança se ter instalado no edifício. Cedo revelou
talento de poeta mas foi em Coimbra, onde estudou Direito, que
consolidou o gosto pelas letras. Influenciado principalmente por Cesário
Verde nos primeiros anos de contacto académico, tomou os caminhos da
poesia pastoril, assente no bucolismo, na terra e na paisagem.
António
Papança publicou o primeiro livro, “Crepusculares”, em 1876, com apenas
24 anos, e o último, “Musa Alentejana”, em 1908, cinco anos antes da
sua morte. A sua consagração como poeta, segundo os críticos da altura,
aconteceu na Sala dos Capelos da Universidade de Coimbra, a 10 de junho
de 1880, nas comemorações do terceiro centenário da morte de Luís de
Camões, onde declamou o poema “Catarina de Ataíde” e foi longamente
ovacionado pelos presentes na sala.
Ficou conhecido na altura, de
acordo com o jornalista Augusto de Castro, como “um dos clássicos da
nossa poesia moderna”. Contudo, a sociedade não aceitava que um nobre,
letrado e rico, fosse poeta. António de Macedo Papança foi proprietário
agrícola, advogado, deputado, Par do Reino, visconde, conde e membro de
várias academias, mas foi sobretudo poeta. Este ilustre reguenguense foi
homenageado na inauguração da biblioteca municipal na presença da sua
neta, Maria Flávia de Monsaraz.